terça-feira, 16 de maio de 2017

Um remédio para que a mente não se torne um carrasco cruel


Homens inexpressivos vivem como autômatos, são tantos
uma multidão que essa cidade insiste em apagar
Porque é que essa cidade foi tão cruel conosco
algo tão pequeno como essa cidade,
sugando a vida de todos


Fiz de tudo nessa vida, ainda assim, não sirvo pra nada.
Eis o que não sei explicar,
Por que não consigo ser um deles? 

As atividades não fazem sentido.
É uma crueldade
O que foi feito conosco

Somos mais miseráveis que os animais
Em nossa pretensão desejante
Entre nós existe toda uma fauna
mas não estamos entre os eleitos

Nos querem como autômatos
sustentando o paraíso
o paraíso deles

vivemos dessas miragens

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Utra Realismo


Não me reconheço no meu trabalho, nos meus pensamentos - sempre repetitivos e obsessivos, desses que fazem um sujeito cometer besteiras desarrazoadamente. 

Hoje, no decorrer do expediente, encontrei duas meninas conhecidas. Eu usava terno e gravata dourada, excercendo a simplória, humilde função de “recepcionista” do museu. Elas estavam lindas, e pareciam mais maduras, sagazes, prontas para o novo mundo real.

Uma delas, antiga paixão platônica, morena alva e delicada, me perguntou se eu era o Davi, amigo do Vitor, se eu me lembrava dela. Eu retirei o tampão de ouvido; claro que me lembrava, mas estava tentando fingir que não. Respondi que sim, era eu – ainda que quisesse não ser, ainda que preferisse não estar ali, fingindo que trabalhava, sentado numa cadeira sem excercer verdadeiramente função alguma. Corei no ato, pois não achava que seria notado, no máximo pensava que seria ignorado. Ela riu, como se dissesse “Sim, é o mesmo Davi, o mesmo Davi de sempre”, e partiu para a próxima sala sem nada mais dizer. Eu não senti nada.

A outra, de pele cor de jambo, de misteriosos olhos puxados e jeito de cigana, ia bem nas aulas de Latim, a faculdade de Letras(que eu largara) começava a ficar interessante para ela. Me perguntou o que eu fazia, e eu disse que trabalhava naquele museu apenas, com aquela gravata, e ela riu, e eu ri também, nós dois sabendo que aquilo se tratava apenas de uma piada, uma piada real demais. Tudo real demais para ser verdade. Ela disse "bom te ver"; bom ver a mim, o recepcionista.

E elas eram pessoas como as outras, indo e vindo naquele museu, admirando obras de arte de caráter ultra realista, porém rasas para o meu gosto. Todos se admiram da perfeição daqueles bonecos, e eu me admiro da espontaneidade dos visitantes, de como eles se interagem facilmente, da facilidade com que eles se envolvem com as obras, e por vezes chegam a tocá-las, com ingenuidade angelical.

Me mantenho em meu posto e observo, da posição privilegiada e semi invisível do funcionário, de terno e gravata, parado, quase me juntando às paredes, às portas, ao reino mineral. Amanhã recebo meu salário.

segunda-feira, 20 de junho de 2016


Alguma coisa de errado acontece
no meu coração

tenho tantas quimeras
ainda que cansado
faço tanto de tão pouco
e de maneira afobada
esperando produzir uma espécie de ouro inédito
termino pobre, alienado

não conheço muitos poetas
e tudo é tristeza no rosto dos atletas
mais disciplinados
estou pronto
mas pra quê?

perco a cada minuto
o mesmo jogo continua
me torno então um espectador
cheio de anseio e esperança
- o poluente -
e necessidade de dinheiro

perco.
não me incomodo em perder
mas o jogo recomeça
tomo os sorrisos, trejeitos dos errantes
como expressão da sinceridade última.



quarta-feira, 15 de junho de 2016

Eu preciso de uma espécie de soro
não de fé, ou esperança
preciso do desespero
da parcela que me cabe
para sumir no mundo

Sendo latino, branco
tendo aberto as veias do pulso
sentindo raiva 
minha e de quem passa, rindo
tudo muito visível
e pouco verbalizável

não tenho mitos
tenho uma febre que não passa
tenho um idioma morto
uma febre, uma mágoa
cheia de imagens, delírios
e detritos

não preciso de calma, esperança
preciso do desespero
preciso de uma espécie de soro
um tipo de ódio ou de dor

preciso ter um nome sujo
um amigo desapontado
ir embora daqui
e ser ignorado.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

A Panhoca 2011

Todos os olhos se voltaram aos meus olhos vermelhos, porque eu tinha esquecido de pesar a panhoca de frango. A moça do caixa ja suspirava só de olhar praquela panhoca sem preço, e eu querendo comê-la desesperadamente. Um gerente veio me olhando com a cara vermelha, contorcida de ódio, e expeliu um comentário aos colegas: olhem, uma tartaruga. Alguns funcionários riram e pediram desculpas. Eu estava demasiado faminto e fora de contexto para me sentir humilhado. Ainda assim, sabia que eles queriam me eliminar. Não era paranóia, ou crise de pânico; era real, eu podia sentir o cheiro de ódio no ar do supermercado. Às vezes, as coisas saem totalmente do controle por um breve espaço de tempo, e nós não percebemos por auto-defesa instintiva. Eu percebia. O homem vermelho não parecia ter muito tempo de vida. Ele passara aquele domingo assistindo ao Faustão com os filhos em seu sofá, esquecido de que no dia seguinte teria que auxiliar homens drogados a pesarem seus pães. Sua vida era uma sucessão de mortes - isso eu pude perceber nos seus gestos, indiferentes à dúvida que eu tinha na minha cabeça - aonde é que pesa a panhoca, caralho? Eu deixei eles saírem vencendo dessa. Saí da fila, voltei ao fundo do supermercado, pesei a panhoca e fui embora. 

terça-feira, 5 de abril de 2016

Tenho vivido



Ainda que sinta falta de amores inúmeros
ainda que sinta, a cada segundo
que passo dentro do quarto, a falta
tenho vivido, isso basta

Sinto que vivo mais
que tantos casais
dividindo a mesma cama
essa noite

Vivo em pensamento, e canto
melhor do que os viajantes, errantes
em hostels, pousadas
e campings pelo mundo afora.

terça-feira, 15 de março de 2016

Sol Bravo

Agora já não tem remédio
por minha vontade, sisudo de ser
me esquivei do curso de um rio

vim parar não sei onde, um lugar aí
onde loucos disseram
ser belo o horizonte

Vim parar no sêco asfalto
ainda com o friozinho
de rio na barriga

Aqui me iludo, e desiludo
num sol bravo, rescaldo
omito que gosto é de lugar nenhum

feito o carangueijo
que anda como quem se lembra
desdeixando alguma coisa
de muito importante para trás.


sexta-feira, 11 de março de 2016

Tudo faz pouco sentido nesses tempos de mudança. Não sabemos ao certo, como crianças, se somos bons demais, ou perversos demais. Olhamos fixamente para a merda; observamos. Talvez nosso protagonismo tenha tido algo de heróico, dizemos, apesar desse resultado assombroso. Como crianças com dificuldade em aceitar a própria merda. Não sabemos se a merda é nossa ou de outrém. Por dificuldade em compreendê-la, muitos irão repelir a merda, ou farão questão de transformá-la em monumento histórico. O esforço será em vão, pois no futuro vamos olhar para hoje e pensar, com asco, que ainda teremos que limpar por muito tempo esse grande tolete de bosta - pouco nos importará encontrar a razão.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Miragens

Um exército de miragens se multiplicando no caos. Não sei para quem elas trabalham, se para os Deuses ou o Exército Evangélico.  Elas cumprem perfeitamente a função de miragens que são; nem muito longe nem muito perto, mas ainda assim de uma beleza tantalizante. Você pode querê-las e pode segui-las, e isso pode fazer com que você se sinta bem, como se estivesse a caminho de um pote de ouro puro ou algo assim. Mas de uma coisa eu tenho certeza; depois de um período de tempo, sua sede vai piorar; desesperado, irá passar a correr mais rápido em direção às miragens, mas na verdade estará sempre se afastando da verdadeira fonte. Por fim, vai morrer de sede no meio do deserto, com a cara enfiada num belo monte de merda alheia. E se por acaso você sair vivo, como eu, você nunca irá se esquecer dessa experiência, a sede será como uma tortura eterna em sua vida. Ok, apenas me prometa uma coisa: da próxima vez que você se deparar com uma dessas miragens, cuspa no chão e andar na direção contrária - sempre na direção contrária.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Tempos Áureos

Um moralista é como uma criança colocando o quadrado no buraco do quadrado, e o triângulo no buraco do triângulo. Ele está certo; mas só está certo porque aquele brinquedo existe. Um moralista precisa de duas coisas - Poder e um brinquedo. Um moralista não é necessariamente ruim; A questão é saber qual é seu brinquedo.

O brinquedo pode ser uma cidade, por exemplo, Belo Horizonte; Belo Horizonte foi construída com base em modelos reais de cidades de Lego, daquelas que passam nos comerciais de TV. Belo Horizonte pode ser desmontada a qualquer momento, e suas peças serão substituídas por outras ainda mais desmontáveis. Belo Horizonte hoje tem menos identidade que as unhas encravadas de nossos avós. Temos que estar prontos a sair de Belo Horizonte, no caso da cidade ser esquecida, como peças de Lego guardadas em uma caixa dentro do armário.

Ovídeo 

Falando em moralismo, eu tava vendo um vídeo antigo do meu terceiro período na escola, e pensei uma coisa: eu acho que, ainda que nossa geração esteja ficando velha - na escala dos 20 a 30 anos - nós não somos, nem de perto, tão felizes e harmoniosos quanto nossos pais e professores eram nos seus áureos 30/40 anos de idade. Ao menos na antiga fita, eles me parecem imensamente mais bondosos do que nós. Você tem que imaginar que, nessa época, o telefone era de discar, só tinha TV aberta, o pessoal tava escutando Rita Lee e Marisa Monte. Todo mundo ainda ouvia vinil; CD era uma novidade indesejada. Uma serenidade hiponga persistia nos gestos e olhares de nossos pais.

Vejo a fita; a professora Heloísa me parece um anjo de luz que veio ao mundo trazer amor e serenidade às crianças. É branca, magra e morena, com o cabelo cortado acima do pescoço fino. Tem um olhar concentrado, e uma postura graciosa que lhe confere um ar calmo - devo dizer que os/as professores/as que eu conheceria na Universidade mais tarde não chegariam a seus pés. Os professores universitários que tive, em sua maioria, não conseguiriam esconder sua frustração pela própria vida em um sala cheia de crianças.

Voltando ao vídeo, em sala de aula as crianças também parecem anjos eternos. De uma forma estranha, eu ali com meus 6 anos de idade pareço mais velho do que todos. Eu pareço saber que estaria vendo a fita anos mais tarde, então eu começo a ler o texto que me foi pedido com uma pronúncia perfeita e um ar de sutil arrogância. Depois que termino, volto a chupar a ponta do meu lápis e me distraio olhando para o teto. As crianças brincam e conversam ao meu redor.

Em uma cena final, estamos todos - alunos, pais e professores - numa espécie de celebração; rodeadas de adultos, as crianças são chamadas uma a uma pela professora no centro da sala, depois posam para a câmera fotográfica e saem de cena. Quando chega a minha vez, eu ando até a professorinha Heloísa; ela me estende um mini-diploma, e me aponta a câmera para eu tirar foto junto a ela. Eu sempre tive problemas de vista, e eles eram mais graves na infância. Naquela situação, eu estava com meus óculos, mas toda aquela pressão psicológica me impedia de enxergar dois palmos à minha frente. Estava nervoso demais.

O engraçado é que eu me lembro vagamente da situação real, ao mesmo tempo que me lembro de assistir a cena do vídeo depois, muitas vezes. Heloísa aponta o dedo para um ponto, e eu finjo ver a câmera. Ela me cutuca com um braço no meu ombro, e aponta novamente a direção da câmera. Eu mudo o ângulo da minha cabeça, e tento parecer enxergar algo. Mas a professora me cutuca de novo, e aponta. Eu finalmente encontro a câmera e o fotógrafo à minha frente, e digo "ah bem"(isso eu pude perceber através de leitura labial). Eu e Heloísa nos separamos meio constrangidos, sem nos despedirmos direito. 



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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Museu

1.

Não poderia ser artista dessa forma.
Se algum dia eu me tornasse artista, teria que arrumar uma desculpa qualquer pra esse tempo em que fiquei sem fazer nada, olhando pro teto. Teria que tomar todo esse tempo por uma grande crise depressiva. Quem sabe diria que se trata de  uma fase de gestação do artista.

Tenho que justificar esse tempo que fico fazendo nada. Ou serei justificado pelo tempo.

Por que querer ser artista? Por que se fantasiar de artista?
Quase todos vão e voltam pra casa todos os dias, e depois do trabalho só pensam em dormir.

Eles voltam pra casa, passando por vielas sujas, e vão dormir sem fazer sexo. Deixam o computador ligado.

Que tempo tenho para ser artista? Tenho que ocupar o tempo e ser ocupado por ele. Tenho que franzir as sombrancelhas e calcular quanto tempo ainda tenho até lá na frente, quando alguém vai me dizer, "como é que você achava que ia ter segurança na vida sendo artista? faz um concurso."

prevendo esse tipo de coisa, tenho me preocupado desde já.

Não me sinto bem fazendo qualquer coisa. E franzir as sombrancelhas não me torna mais útil à sociedade.
Os artistas estão no olho do capitalismo. Eles são os primeiros a entregarem o ouro por uma participação em um evento qualquer. E a se vestirem como se estivessem na França do meio do século XX. 

2.


Eles não usam drogas, mas são mais loucos que os junkies de Nova York em 1970. São mais obstinados que usuários de crack em abstinência. Suas mentes se estreitaram pela quantidade de informações que possuem sobre o mundo, que vão de papéis de parede novos, bolsinhas artesanais baseadas em cerâmicas Maxacali, tatuagens gratuitas mal ajambradas, apartamentos apertados no Centro, a salinha do café no museu em que trabalham. Os monitores são como estátuas que andam, lêem e conversam sobre tudo com a serenidade de Buda. A noção cultural desses entes é enorme; foram treinados para terem um domínio relativo sobre uma vasta gama de temas, tais quais o Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meirelles e cia. Os visitantes do museu absorvem alegremente a quantidade de informação que lhes é despejada na bandeja aos domingos. Quando chegam em casa e colocam os pijamas para dormir, sonham com as letras dos nomes embaralhadas numa linha do tempo que se estende por um céu azul resplandecente. No dia seguinte, não se lembram mais de nada que os monitores lhes disseram. 
Os monitores acordam felizes; o museu não abre às segundas.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

W. Brawer

Há várias especulações sobre a verdadeira natureza de W. Brawer. Uns companheiros da taverna me disseram que Brawer foi um anjo que, expulso do paraíso, caiu violentamente no chão, num grande estrondo. O baque fez com que ele se lembrasse apenas vagamente de seus períodos de glória. Após a queda, Brawer se tornou um demônio a vagar pelos bares de nossa Província, importunando a todos com sua banda e dizendo repetidamente que ele já havia vencido na vida, e que faria todo o esforço possível em ordem de continuar vencendo a Deus e a todos. Dizem inclusive as más línguas que de madrugada W. Brawer se transforma em um corvo enorme, e sai voando por toda Minas Gerais, parando nos bares, fazendo contatos importantes e divulgando os cds e camisas da sua banda.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Velar(canção)

Um adeus
um abraço seu
Até mais, vá em paz
Suas mãos fazem sinais
que eu não posso entender

Cuide bem de si
cuide bem do que sobrar de si

que eu fico bem
sem você, sem ninguém
eu perdi
você também
e não terei mais a quem velar

Cuide bem de si
Cuide bem do que sobrar de si
Cuide bem de nós
Cuide bem do que sobrar de nós



segunda-feira, 15 de junho de 2015

O Hospital


Jango entrou no grande hospital, e subiu de elevador até o terceiro andar. Andou um pouco a esmo, com a cabeça ainda cansada da noite anterior. Não conseguia se localizar bem nos vastos corredores brancos - ainda que frequentasse o hospital desde menino. De vez em quando, passavam apressadamente por ele lindas estagiárias vestidas em uniformes brancos. Seu desejo clamava fervorosamente por seus cuidados. Os médicos, enfermeiros e funcionários dali lhe pareciam todos mais saudáveis psicologicamente do que ele, isolados que estavam naquele templo de cura, ausentes do espetáculo social.

Herói; era essa a palavra que Jango lia no rosto de cada um deles. “O sentido da existência, para esses inabaláveis curandeiros, é a conservação da existência alheia. Os instintos egoístas, que afligem a maioria das pessoas diariamente, não deve abalar o senso de dever dos médicos e seus assistentes”, pensava com seus botões enquanto não encontrava o departamento cirúrgico. “Os meus regimes de auto-destruição, perversão e sadismo não assustam a esse exército de heróis convictos, determinados a combater a morte a qualquer custo.” tais eram os pensamentos que lhe ocorriam. Jango sentia uma espécie de glória melancólica pairando no silêncio dos corredores.

A serenidade do recinto parecia neutralizar sua mente, ainda nervosa e obscurecida pelos excessos da noite anterior. Chegou enfim à ala cirúrgica, onde foi encaminhado a uma enfermeira de lindos olhos azuis e sotaque nordestino. Ela entregou a ele um daqueles coletes abertos na parte de trás, igual ele sempre via nos filmes, e pediu para que se trocasse no vestiário. Ao andar pelo departamento cirúrgico com o colete verde-claro e uma touca na cabeça, Jango se sentiu pouco respeitável. Suas bolas se recolheram ao toque do ar frio de inverno. Desistiu de manter alguma compostura e se deitou de costas na cama de operações, para que o médico pudesse cortar a pinta volumosa em sua nuca.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

22:40

22 e 40, voltando pra casa depois de um dia cheio; trabalho, bar e aula na faculdade. Aqui estou de novo percorrendo o túnel da noite com meu carro.
Dirijo fumando um baseado na avenida, pra ver se dou uma animada. Minhas lentes de contato definitivamente não curam o astigmatismo, vejo fantasmas de luz, mas tudo certo.

Faz muito tempo que acidentes não me acontecem, incrível. Agora o trânsito tá parado faz tempo. Não posso movimentar meu corpo, não sei se coloco a mão no volante.
Imagino a mim mesmo ali, dentro do 4x4 parado, um ponto em meio à trama simétrica das ruas. o homem nasce da terra, se alimenta da terra, morre na cidade.
Mas que saco, que bad, ligo o rádio e toca rap, beleza. O refrão da primeira música diz “Fuck da Police!”. Me ajeito no banco, balanço a cabeça - é isso aí, foda-se a polícia. Foda-se o trânsito.
A rádio agora toca “Mind is Playing Tricks on me” do Geto Boys.

At night I can't sleep, I toss and turn
Candlesticks in the dark, visions of bodies bein' burned
Four walls closin' in gettin' bigger
I'm paranoid, sleepin' with my finger on the trigger
My mother's always stressin' I ain't livin' right
But I ain't going out without a fight
See, everytime my eyes close
I start sweatin' and blood starts comin' out my nose
There's somebody watchin' the Ack'
But I don't know who it is, so I'm watchin' my back
I can see him when I'm deep in the covers
When I awake I hear a call burnin' rubber
Vejo três carros de polícia que ocupam metade da avenida, uma espécie de procedimento de segurança, homens farejando homens. Aqueles caras sabem que eu estou doidão, eu sei que eles já devem estar sabendo disso, mas fico frio e passo por eles tranquilo. O trânsito desaparece, me sinto salvo, salvo de figurar nessa maldita crônica cotidiana, livre pra ir pra casa, entrar no quarto, tomar vinho de mesa e ouvir som no fone. Que merda, tanto faz.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O Vigia


-Me sinto um imbecil prepotente
estupidez minha, acreditar que sou prepotente
sofrer com os monólogos de um cara doente - o Vigia,
que me persegue pela vida e me suga as energias
nada concreto
o Vigia é produto do meu subconsciente,
um jeito da ideologia
dialogar com a raiva.
Com o Vigia por perto, é difícil que algo de diferente
aconteça, que alguém me ame
assim de graça.

O Vigia é um cuzão,
foi criado com base em modelos reais
de cuzões espalhados pela cidade
você sabe; o interno e o externo interconectados
capitalismo selvagem do alheio ao privado
o inferno intersubjetivo
a ideologia, Jesus Cristo
o caralho.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Aspiradores de Pó

No caminho, passaram pela antiga Escola de Artes e Letras. Alberto, que já estudara lá, olhava pela janela como se sonhasse. Sem que ninguém o perguntasse, começou a falar desbaratadamente.

- Eu esmurrava a ponta da faca com todas as forças. Eu pintava com culhões. Eu fotografava como um macaco.  Percorri esse deserto informacional que a arte tenta em vão abarcar. Confiei meu coração à areia quente. Eu dizia algo: tudo voltava para mim em uma linguagem leve, abstrata e técnica. Talvez a linguagem do pó.

- Os que aspiram a uma carreira artística aprendem a usar a linguagem de forma diluída. No texto e na fala, suas palavras parecem imergir de um repouso. Não têm nem voz. Fazem poesia feito ready made. Não curam ninguém. Não dão prazer. Não atraem crianças. Não atraem mulheres. Não atraem moscas; sequer fazem parte do mundo, abolidos do fluxo magnético terrestre. Logo, pertencem ao mundo da higiene. São protegidos e alimentados pelos comensais da higiene. Se ganham dinheiro vão para orgias, mas só transam se tiverem vontade, o que raramente acontece.

Um silêncio enfastiante preenchia cada canto do carro.

- Não sei quanto a vocês, mas eu já não compareço à exposições. Verdade seja dita, obras de arte não me interessam mais do que o mundo. A arte pra mim não está acima, mas adere à superfície das coisas. A arte é onde estou. O problema dos artistas é que eles estão sempre , nunca saem de ; se eles não estivessem lá, as pessoas iriam de bom grado visitar galerias de arte.

Frágil

Me sinto minúsculo frente às crianças. Posso brincar com elas por um longo período de tempo, mas me envolvo tanto que saio chorando. Bato a porta do quarto e escrevo.

-

Era verão. Estávamos na casa de praia da vovó. Um quiosque de palha, ao lado da piscina, ocupava uma pequena porção do quintal da casa. Passávamos nossas tardes por ali, 8 primos, uma prima, mais outros meninos e meninas da vizinhança. Todos mais ou menos na puberdade. Eu encarava esse processo como a maioria das crianças: era estúpido, perverso e teimoso.

 Nesse dia havia entre nós um menino esquisito; o filho da empregada. Ele devia ser talvez um ano mais novo que eu. Era magro. Achava-o simplesmente sem graça. Tudo nele era-me indiferente, e eu tinha mais o que fazer para ficar analisando os outros. Mas o filho da empregada, em pouco tempo, já tinha ganho entre os meus primos uma reputação das piores: burro, feio, e principalmente fraco. Seu nome era Valdecir.

O Valdecir ganhou fama de fraco por causa da queda de braço. Estavam brincando disso e ele perdia de todo mundo. Eu não gostava de participar da brincadeira, mas assistia com prazer aos outros competirem. Valdecir perdia todas. Me agradava ver meus primos vencerem-no e uma saraivada de chacotas recair sobre Valdecir. Me sentia sinceramente embriagado e comovido com aquilo. "Então", pensava com meus botões, "Valdecir é magro, burro, feio e fraco".

Eu peguei Valdecir pela mão e levei-o até a sala de televisão, onde minha mãe e minhas tias assistiam à novela apertadas no sofá. Exibi-o como uma criatura exótica, trazida do quintal. Anunciei o desafio: "Vejam, como venço facilmente na queda-de-braços Valdecir!" Nos ajoelhamos os dois no chão da sala e unimos nossas mãos. Valdecir estava determinado.

As risadas irromperam na sala, risadas cruéis de mulheres na faixa dos 40 anos -  como risadas de criança, porém mais perversas. Valdecir também riu, triunfante. As tias parabenizaram-no, comemoraram a vitória do filho da empregada, e depois, repentinamente, como se nossa disputa se tratasse de um mero intervalo comercial, voltaram as atenções à novela. Eu fora zombado por uma corja de mulheres de meia idade.

Saí correndo da sala de televisão e fui me encolher entre dois sofás na sala de estar, no canto da parede, como se eu quisesse me tornar um abajur, uma cabeceira ou algo parecido. Ali, eu senti o golpe, toda a humilhação em dobro. Nada, absolutamente nada em mim era digno de louvor. Não havia como encontrar razão honrosa para meu ato. E eu me tomava a sério demais para não me sentir amargamente desolado.

sábado, 28 de junho de 2014

amor(2)


Os amores estão ficando gastos. Até eu, que me proclamava guardião de todos eles, esqueci o que sentir.

Se ao menos eu recebesse algum sinal do tipo "eu te amei, mas você não sabia". Aonde estão aquelas meninas que me mandavam cartas na infância? Eu queria saber de tudo o que perdi. Parece que foi muita coisa. Eu queria ouvir isso da boca das infelizes que um dia me amaram. Mas ninguém está disposto a me contar uma história. Criemo-la, ora pois.

O que eu sei, de verdade, sem criação(mesmo), é que quando eu estava na terceira série da escola, havia um dia especial em que os meninos e meninas participavam do Correio Secreto. Nós deveríamos escrever cartas amorosas - supostamente anônimas - e mandar para alguém do sexo oposto. Eu queria Maria Alice com toda minha alma. Eu escrevi uma carta para Maria Alice. Não me lembro do que havia escrito, mas foi algo genial.

Em troca recebi uma carta de Maria Carolina. Um rolo de papel no qual estava escrito '600 eu te amo'. Maria Carolina não era lá essas coisas.
Eu não contei, mas pelo rolo ser do tamanho de um pão de sal, presumi que eram mais de 600 eu te amo. Tudo escrito com força numa letra cursiva grande. Que azar o meu. Saí da sala de aula em prantos.

Em casa, ainda pensava naquilo durante a tarde. Eu tinha 11 anos, e me via diante de um dilema comum da vida adulta. O telefone de minha casa tocou. Era Maria Carolina. Essas pessoas sempre descobrem nossos telefones, mais cedo ou mais tarde.

-Alô?
-Alô, Davi? Você gostou da carta que eu te enviei?
-...Sim.
Ouvi uma risada maníaca, misteriosa, e depois telefone ficou mudo.

Era isso. Eu tinha oficialmente selado o meu destino; Maria Carolina me amava, e eu dera esperanças para sua obsessão. Eu estava consternado. O que Maria Alice iria pensar? Essa  é a pergunta que ficou sem resposta. Nunca soube o que Maria Alice realmente queria, e ainda não sei o que meus outros amores(que são como subprodutos de Maria Alice) querem. Elas nunca me mandam cartas, rolos de papel, declarações extravagantes. Apenas aparecem; flores no asfalto esperando para serem violentamente esmagadas. Elas são como Mister Magoo, cegas e ingênuas, e eu como um palhaço do destino. Um fantasma, um bom ou mau agouro. Eu sou como um presságio.

Se eu pudesse voltar ao tempo, eis o que faria: pegaria nas mãos de Maria Carolina. A levaria para passear no recreio e, sem ter medo das chacotas, faríamos um pic-nic no meio do gramado. Faria tudo o que ela me pedisse. Nesse ponto, Maria Alice estaria a meus pés. Mas eu não daria atenção a ela. Não daria atenção a ninguém. Apenas me concentraria em obedecer as ordens de Maria Carolina.
Porque é preciso render-se ao amor de outrém. Derrotado, comemora-se a vitória do outro.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Cão

É um dia azul e frio. Olho distraidamente o cão atravessar a rua para a praça. O animal parece estar numa espécie de encantamento; ele é alegre com toda a alma. Que seja irracional, isso é coisa que não importa aos passantes, que o tratam como um saudoso amigo a quem não se via há muito tempo.
O cão se afirma. Basta a ele saber que existem praças, bosques, jardins, portas, janelas e postes. Basta estar sonhando para viver. Passa-se o sonho, e já é a vida diferente do que era antes, um outro sonho talvez. Eu observo o cão, correndo em direção à lata de refrigerante jogada por uma criança. É outro tempo no qual ele vive. Seu focinho trabalha freneticamente para captar o que quer que seja. Não muito longe, ele reconhece pelo faro as fezes de uma cadela no cio; o cão entra em êxtase. Os passantes, mulheres e homens, param e coçam sua barriga, acariciam seu pelo, beijam-lhe o focinho úmido. O cão é o homem que ficou no Éden.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Nós estávamos dentro do cinema, numa cama para dois. Um filme era projetado na tela, mas não me lembro do que se tratava. Peguei ela pela cintura, e começamos a nos beijar ali naquela cama/poltrona. Ela então se colocou de pé sobre a cama para tentar tirar sua calcinha, tropeçando nos próprios pés. A nossa relação era baseada em acordos tácitos; ela tinha liberdade para se soltar(eu a aceitava mais do que os outros), e eu não tinha obrigação de dar satisfação a ninguém sobre meu "amor". Um homem atrás de nós soltou um resmungo. Tudo aquilo se tornava extremamente desconfortável para mim. Ela se atrapalhava com as suas roupas, eu fitava sua barriga branca infantil. Eu só queria que ela parasse com aquele transe histérico - que já estava atraindo a atenção dos demais -, que se deitasse em meus braços e me beijasse por um longo período de tempo. Então, de uma hora para outra ela saiu andando rapidamente, descendo pela sala até sair do cinema.
Eu não ousei sair de onde estava: esperei até o filme acabar. Tinha um mau pressentimento. O filme acabou, eu saí da sala e fui dar num estacionamento labiríntico e deserto. Comecei a correr, a descer os andares do que mais parecia ser cenário de filme policial. Um menino de uns 13 anos, branco, cabelo loiro raspado, saiu de um esconderijo (pelas vozes que ouvi haviam outros meninos ali), e deu de cara comigo. Olhei pra ele assustado, e ele me estendeu um baseado mal bolado, "quer?". Dei uma boa tragada e continuei descendo. Encontrei um Mcdonalds fechado. Pensei, "deve ser por causa das manifestações" e continuei perambulando, procurando por gente, procurando aonde estava o movimento. Mas a ela eu tinha certeza que havia perdido.

terça-feira, 17 de junho de 2014

amor

a mão dela encobre um sorriso estranho, pois poderia bem se tratar de um suspiro, prenúncio de bocejo ou mesmo pranto. os olhos estão fechados e parecem conter algo, assim como o sorriso. o sorriso me preocupa.

minha obsessão é por um tempo que se recusa a passar. hoje tento acolher aquilo que amei, ainda que o desprezasse anteriormente; mas, quanto a Ermina, não há nada que se fazer; ela vive dentro de mim como uma embalagem esquecida num deserto. procurá-la seria tarefa tão penosa quanto inútil. mas ela continua ali, bailando no vazio imenso de uma época - logo ali onde perdi a razão.

recomeço tudo de novo; as mãos, trêmulas, não escondem nada, e o sorriso é mais um esgar - pode indicar timidez, mesquinhez... mas não quero ficar especulando coisa alguma baseado apenas em meu preconceito sobre essa foto, bem razoável aliás. O rosto pálido e angelical me preocupa, tal como a uma mãe. Sinto uma compaixão incômoda por essa moça; pode ser que ela seja mais frágil do que eu imaginava. Pode ser que o esforço dela para manter a compostura seja tanto maior quanto mais gelado for seu coração. Tudo isso pode ser que seja. E aí começa o delírio, o fanatismo, a mitologia, a religião e também o amor; essa palavra azul calcinha que falha foneticamente em expressar um significado aberto e puro. Odeio também a imagem do coração, aqueles dois semicírculos curvados um sobre o outro. Odeio que me digam por qual órgão devo sentir amor.

Sinto por mim grande desprezo.
Eu, supostamente tão engraçado e simplório, sem poder desviar-me da sombra de Ermina, caí honesta e terrivelmente, perdendo as calças da hombridade, perante a sociedade imaginária que vive em meu cérebro. Surtos acontecem e são como os gases estelares que explodem no universo de vez em quando; não há nada de errado com isso.

Como auto defesa instintiva, opto hoje por crer no ridículo(e mais provável); pouca diferença faz a minha existência para essa criatura. Se eu quisesse fazer disso um romance eu seria um personagem, o Lunático. Eu não poderia jamais ser o narrador onisciente dessa história - apesar de ser autor dessa espécie de crônica imbecil que escrevo agora.

O narrador da história que não existe - mas eu gostaria de ter escrito - deveria percorrer o íntimo dos meus pensamentos, contar o mundo através de minha ótica alucinatória. relataria cada coincidência, cada progressão da minha patologia. o universo intrincado da minha ilusão se tornaria preciso a ponto de convencer aos leitores. Então, que maravilhoso seria, todos sentiriam compaixão por mim, esse palhaço imbecil.

Mas, o escritor construiria esse universo apenas para destruí-lo depois, e demonstrar a supremacia do tempo sobre a mente humana; sobre como as pessoas se enganam para viver poeticamente, e com isso acreditam superar o tempo. Sobre como a literatura é besta quando virada para o próprio umbigo. Sobre como tudo o que eu escrevo é assim, e alguma tirada cretina do tipo "porque você está lendo isso?"

O narrador não poderia jamais saber o que se passava na cabeça de Ermina, se é que alguma coisa se passava. Ninguém saberia dizer. Eu coloquei-a num imenso pedestal; às vezes olho lá pra cima sem saber se ela ainda está lá, se morreu, ou se precisa de comida. Mas eu já me conformei com a qualidade de idéia que ela tomou. Me seria mais útil assim do que viva. Não um sacrifício; uma idéia, através da qual posso me guiar. E se dizem que a linguagem é um sistema tão complexo, sou eu esse decifrador. Sou um imbecil como qualquer outro, percorrendo minha parte do labirinto.

Alguns amantes podem vir a se encontrar no labirinto; então, a glória que é percorrer todo esse nonsense de mãos dadas. Mas nem todos dão essa sorte. Mas eu prefiro pensar que nem todos têm essa força, e eu não digo força, como força moral. A força espiritual prevalece sobre a força moral. É claro que faço apenas uma idéia do que estou falando. Mas é apenas sobre isso que a linguagem me permite dizer: idéias, fogo-fátuo, ilusões imbecis que apodrecerão na mente de meninas imbecis, como eu, imbecilizado por toda essa idéia de amor.

Foda-se!

isso foi

hoje tomei um copo de suco, um café, fumei um cigarro e uma ponta. o resto da manhã passei imerso em devaneios, escutando músicas feitas por seres humanos geniais. pensei em tudo o que as músicas me sugeriram que pensasse, inclusive em você. meus hábitos não são dos melhores, e minha saúde sofre as consequências. me sinto terrivelmente bem. agora eu como uma torta de morango que alguém deixou na geladeira. estava com saudade disso - de ultrapassar os limiares, de enfadar-me até o ponto de me sentir próximo de mim mesmo. a rotina é tão excruciante, são tantas as pressões de convivência que acabo perdendo, por um tempo, minha capacidade de discernir livremente. sinto apenas um impulso irracional, como um bebê em meu ventre chutando e esperneando. passo então a fumar cigarros - quero matá-lo - beber, me dopar. não suporto sua existência. não suporto minha consciência, não suporto que ela seja anterior à realidade, que esteja entre mim e o que quero ver, tocar. que esteja entre mim e as meninas. mas não há outra forma. eu existo a partir de alguém, de um sujeito, de uma idéia completamente desvairada de mim mesmo. essa idéia é deixada à revelia, e ela muda, muda o tempo todo. está sujeita a qualquer tipo de difamação, é vulnerável como uma planta. sacrifico essa planta para chegar até algo palpável, a um pedaço de realidade que eu possa agarrar, perverter, mesmo que esteja passado, que não seja presente. ao menos isso foi. essa é minha recompensa.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

tempo da ilusão

de tempos em tempos vou arrumando minha cama de ilusão
ela é mais doce, serena e pura do que a realidade é
coberta por inúmeros lençois de fineza indiscernível
da vida tal como vista pelos olhos do poeta palhaço

às vezes eu me deito nela e olho para o teto
espero por nada, amo o tempo da preguiça
sabendo ser tudo passageira ilusão
que me amamentará no tempo da velhice.



domingo, 8 de junho de 2014

em uma noite de domingo tanto faz. nada faz, nem precisa fazer sentido. escrevo unicamente por preguiça de pensar em outra coisa. minha cabeça dói, meu corpo geme, meus rins trabalham incessantemente. são essas brigas, esse medo, esse álcool, todas essas toxinas se acumulam. muitas pessoas, incapazes de lidarem com questões subjetivas, atribuem os seus problemas à substâncias tóxicas. e então param de beber, ingerem legumes, suco de abacate, água de côco, fazem yoga, e se sentem melhor. mas estão sempre um pouco ausentes; o problema ainda está lá, e acena de dentro. você NÃO é o que você come. não é culpa das toxinas.

o termo "equilíbrio", não raras vezes é interpretado de forma equivocada.

há sempre algo de deliberado em toda situação. se pensamos que não, é porque transformamos nossas escolhas em hábitos. é porque, deliberadamente, somos automáticos. Assim como podemos ter hábito de ingerir substâncias tóxicas, podemos ter o hábito de acordar cedo, tomar café, ir pro trabalho. a diferença é que, da primeira forma, a morte está ali para te dizer: isso é um hábito escroto. isso não acontece com os bons hábitos. com bons hábitos, estamos sempre meio distantes de nós mesmos, nos parecemos mais com o william bonner do que com qualquer outra coisa.

os fins de semana estão ficando cada vez mais difíceis; posso dizer com segurança que meus dias de semana são, em geral, mais agradáveis.

em dias de semana tenho menos escolhas, e meu trabalho é relativamente bem agradável. dentro dele, posso aprender e ensinar. fora dele, onde todas as escolhas me são possíveis, me sinto prisioneiro: não há ninguém novo que aceite um convite para dar uma volta. qualquer coisa é interpretada como uma invasão de privacidade. é difícil demonstrar desejo e interesse por alguém na cidade. é tudo tão velado, tão inútil.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

local proibido
mensagem encaminhada a
: medo
mártir de dia
de noite medo
razão de ser 1- me embriagar,
2 - cavar para encontrar pranto
3 - cometer crime ter castigo
sem o quê nao vivo
eu nao tenho;
eu quero
eu posso,
eu desisto. eu preciso dum rio
de um braço de mar
eles me dão
o que essas meninas não sabem
dar
preciso de um cavalo
e de um pouco de fumo
só.






sábado, 31 de maio de 2014

boa nem má

ela não é boa nem má
ela está cega
porque, boa ou má
se alegraria com as luzes do circo
riria na cara do palhaço

ela não é boa nem má
ela está surda
porque, boa ou má
dançaria ao ouvir essa canção
seduzida pelas musas

ela, não é boa nem má
ela está muda
porque, boa ou má
cansaria-se do espetáculo
pediria pra parar

mas não
ela, nem boa nem má
impassível assiste a tudo
e, tal como Bartleby,
prefere não fazer

/

dilema para os momentos de distraçã




domingo, 18 de maio de 2014

Espantalho


Querer o sol foi demais,
- os Girassóis não são feitos assim, de mim
o Sol se riu
Enfim meu pranto secou.

Deixa pra lá
de tristezas eu me cansei
no campo o espantalho tem um lugar
ilusão que afasta os maus amores;
todos eles que cobiçam suas flores,
que lhe vêem e se lembram de suas dores
e se vão fingindo não crer
na mais bela flor que o medo afastou.

Ele falhou por disfarçar
o que não deveria negar
a esses dias de doce solidão
tecendo armadilhas de amor

Ah!
...
Nesse mundo só o moribundo
pode cantar
e viver
e andar sem qualquer rumo
ou destino nenhum
a não ser seu próprio túmulo.    

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Bjork

Bjork era filha de um rico fazendeiro em Uberlândia. Eu estava de visita no sítio da família. Ela tinha equipamentos eletrônicos que faziam sons maravilhosos, e de quando em vez ela se retirava junto aos seus familiares para fazer sons. Bjork me ouviu tocando uma de minhas músicas no violão. Numa tarde silenciosa ela me acompanhava por uma ponte estreita de madeira japonesa, a essa altura já estávamos secretamente atraídos um pelo outro. Ali, naquela ponte, eu mordi seus pequenos seios púberes, ao que ela respondeu com gemidos agudos, estranhos aos meus ouvidos até então. Com as mãos me colocou para dentro de si, e a partir desse momento eu não ouvia mais nada. Estava dentro de Bjork.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sobre Recitais de Poesia em Apartamentos

O que eu não gosto da poesia falada(não a cantada) de poetas-mineiros-de-apartamento é o tom monótono que a voz acaba assumindo quase que automaticamente, por alguma razão implícita com a qual não consigo atinar. Do poeta mineiro ao mendigo mineiro, todos parecem padres quando vão recitar. Ouve-se o termo "poesia" e os neurônios - gastos pela falta de ritmo e pelo raciocínio labiríntico carente de matéria vital - fazem conexão direta com o Confessionário, com a Igreja, com a expiação dos pecados.

Não há quem não tenha passado pela situação constrangedora de ser convidado por um amigo mais extravagante a sentar-se e ouvir pacientemente a seu interminável monólogo. Não importa se a poesia fala de buceta, de cerveja, ou de espelho; qualquer palavra soa como a mesma coisa, termina em um mesmo tom rouco e arrastado como se o indivíduo estivesse falando de algo condenável por todos ao redor. Quem ouve tem a impressão de estar arrancando as palavras da boca de um pobre torturado quando na verdade é o "poeta" quem incorpora o torturador, passando verdadeiros sermões católicos sem nenhuma piedade pela alma do ouvinte. Depois da Confissão ele pergunta cheio de pudor "gostou da poesia?" e o sábio ouvinte responde, "doze Ave Marias e dez Pai Nossos rezados e está tudo resolvido. Não se esqueça de sempre dar a todas as palavras um só tom, rouco e íntimo, com aquela gota de vergonha interior que você nunca conseguiria dissimular, e assim deus vai lhe compreender."

Tem algo errado com os atores brasileiros. Vê-se como as novelas andam piorando cada vez mais, e os filmes mais alternativos também se parecem muito com as novelas.

Não que eu considere que pessoas com complexo de culpa não possam dar livre curso ao fel que se precipita por suas bocas, à sua livre expressão(salientando que eu acho mais aconselhável a terapia do grito primal do que a poesia para esse tipo de sintoma). Como qualquer um, sofro de complexo de culpa. Mas há de se ter cuidado; esse lugar da culpa que dizemos ser tão íntimo e profundo pode ser na verdade um espaço raso e fétido como pântano, compartilhado por todos. Não é íntimo nem pessoal; assim como esse texto, é uma generalização. São ordens implícitas, cuja menor infração é imediatamente percebida pelo próximo. Quando somos chamados a palco para recitar alguma coisa, simplesmente não conseguimos falar sem parecer modestos, humildes, enfim pesados e chatos. Reproduzimos a ferida na língua. A obstinação que transparece na voz não é mais do que falácia, revela o tremendo esforço feito para que não se escape uma emoção natural e espontânea. Ficamos à deriva, como maioria não se cansa de repetir em seus versos. Sabemos escrever, mas até o mais extrovertido se compunge ao dizer qualquer coisa que considere sua poesia. demasiadamente humano? ou pouco?

O pior é que às vezes eu tento falar, sai desse jeito também.

É isso. Acho que eu prefiro continuar cantando.

domingo, 13 de abril de 2014

13 de abril, Domingo

Tenho preguiça. Hoje foi um dia normal, como todos os Domingos. Fui ao Planetário, à museus de arte, vi a final do campeonato Mineiro entre os dois maiores times da cidade(ainda não fui capaz de escolher para qual deles torço). Sim, foi um dia normal.
Ontem também foi um dia normal. Acordei 9 horas da manhã, a polícia ligou dizendo que um casal de ladrões havia quebrado o vidro do meu carro – de madrugada, eu o havia estacionado estrategicamente numa ribanceira com o objetivo de conduzi-lo na manhã seguinte até o posto para colocar a gasolina que o carro não tinha. Fui à delegacia fazer o BO; um homem que ali estava disse ter identificado os suspeitos ao fugirem, e que um vestia a camisa do Cruzeiro. Me levaram uma mochila velha que continha nada mais do que 2 cadernos com estudos, notas pessoais, e um livro que eu comprara no dia anterior - “Literatura e Semiótica”, de Décio Pignatari. Pelos trechos que li, parece ser um livro interessantíssimo. Provavelmente foi jogado fora, ou convertido em cerveja, na comemoração do título no dia seguinte.
Tudo absolutamente nos conformes. Tenho profunda consciência de que a Natureza é uma espécie de Messias depravado.


Eu deveria mesmo anotar todos os rastros que coletei, documentá-los, orientar o sentido desses indícios como um detetive? Ou aceitá-los em sua primariedade, como signos passíveis de significados inúmeros?  

domingo, 6 de abril de 2014

6 de abril

Olhei para meu celular, para o nome - Fulana - e apertei no botão ligar.

Me atendeu uma voz máscula, grave e algo nobre;

- Alô?
- ...alô.
- Quem fala?
- esse não é o telefone da Fulana? eu gostaria de falar com a Fulana por favor
- é o Dr. D?
- sim, é o Dr. D.
- eu sou lucas o namorado da Fulana. Ela disse que não quer te evitar nem nada, mas que não quer te ver. ela falou pra você parar de ficar insistindo desse jeito...
- eu não estou insistindo, ontem ela me atendeu, disse que me ligaria de volta depois de pegar sua comida japonesa, e não ligou.
- então, ela pediu por favor, se você pode parar de procurar ela.
- ah, tudo bem. falou.
- ok, obrigado, falou.

Foi tudo muito educado e formal. já havia acontecido antes com Ciclana, mas eu brigara feio com o sujeito no telefone(o ator mirim, uma espécie de Jack Kerouac sem as bolas, se é que ele as tinha). Dessa vez não. lucas me pareceu ser um bom sujeito. é que Fulana não é como Ciclana. Fulana sabe escolher. não foi a toa que Fulana me escolheu quando ninguém dava um centavo por mim.

eu fiquei com vontade de fazer um chá e me sentar em posição de lótus. aquele sujeito soube fazer com que eu me sentisse confortável com meu luto e minha perturbação.
me sinto calmo, algo melancólico, como se o vento tivesse varrido do meu corpo o último fruto, e a terra absorvido toda a água. O outono se apresenta lindamente desolador.

Fulana se foi. Fulana é nobre.

-

de repente, meus projetos se encontram suspensos no ar. o tempo da suspensão, da espera.
mesmo aqueles projetos que iam a todo o vapor, perderam seu impulso inicial como se estivessem sob infuência da lua, gestante de seu lado escuro.
toco um instrumento. parece mágica, continuo progredindo. apesar da meus hábitos mórbidos, nunca estive tão bem. brilho como uma estrelinha.
e as pessoas passam na minha vida, zunindo para lá e para cá, sem ouvir uma nota.
um escritor famoso uma vez disse que elas só chegam na hora errada. e se vão também, antes da hora.

a Copa do Mundo



Sábado 05 de abril de 2014

Se eu for apenas um leitor me tornarei como Eles.

Eles se dão o nome do que quer que seja; esquerdistas, rockstars, anarquistas, intelectuais, cinéfilos, espectadores. Não são mais do que números, agentes da era da informação escravizados pela Meritocracia. São na verdade a ESMAGADORA maioria. Se crêem indivíduos excepcionais, mas caem facilmente nos estigmas da sociedade.
Vivem se debatendo dentro de suas divisões mesquinhas. Seu frágil projeto de Individuação é publicado no Plano Azul-Calcinha e enfim devidamente reciclado em dispositivos miméticos, enlatado e vendido aos botequins.
É impressionante assistir a casos desses indivíduos sendo mimados diariamente pelo seu próprio círculo social. Eles descem pelo ralo junto com todo o resto. Comem capim por um tempo, depois renascem como seres humanos, dizendo que passaram por um período de depressão, mas que já está tudo bem. Continuam na peregrinação rumo ao nada.

O que me alivia e me satisfaz é que, de certa forma, todos desceremos pelo ralo juntos.
Sinto uma espécie de comunhão nisso e durmo tranquilamente. Por outro lado, sou um deles. Sofro constantemente de paranóia excessiva, sou vítima da megalomania, saio por aí procurando distrações baratas. Espero ansiosamente pelo dia em que a Grande Copa me recolha para os campos de concentração; assim estaria junto d'Eles, definitivamente. Faríamos todo o sentido juntos. E o mais importante, teríamos um inimigo em comum bem definido.
Não ficaríamos mais procurando por um ditador para colocar toda a CULPA que nos consome internamente, a nós, consumidores implacáveis. Teríamos um ditador ali na nossa frente, poderíamos enfim dar livre curso à raiva que se assentou sobre nossas colunas vertebrais durante décadas. Isso em si já seria o suficiente para mim. É doloroso assistir a todos esses seres sem história ou relevância social desfilando sua dignidade inutilmente em um plano azul-calcinha.

-

Me lembro de um vídeo de família que assisti quando criança, do meu irmão mais velho quando bebê tateando o chão áspero do quintal, investigando a textura das folhas secas. Seus músculos gordurosos e enfraquecidos não eram o bastante para que ele engatinhasse com eficácia. O fazia apenas com muito esforço, e desajeitadamente. Permaneceu assim por longo tempo, imerso num silêncio de concentração. Me parecia inteiramente só em sua empreitada.

Depois, na aula de música a professora mandou que todos os alunos se deitassem, e, de olhos fechados, escutassem música.  Assim o fiz. Escutei uma melodia suave, uma voz de mulher, a imagem do meu irmão e as folhas secas apareceu, e o pranto irrompeu do meu ser, como um rio.
Depois a professora me perguntou porque eu chorava. Eu disse "ELE ME BATEU!" e apontei para um colega, escolhido aleatoriamente.

Contei para os meus pais sobre o vídeo que tanto me emocionara, e eles resolveram consultar meu HOMEOPATA(aqueles que prescrevem bolinhas de açúcar a serem tomadas de 5 em 5 minutos, depois de 3 em 3, e por aí vaí, até a depressão acabar. Você, porém, adquire TOC no final). Ele disse a meus pais que NUNCA, de forma nenhuma deveriam me mostrar os vídeos de infância do meu irmão.
Há dois anos atrás eu peguei todas as fitas antigas e desgastadas e passei tudo pra DVD.










terça-feira, 25 de março de 2014

uma pessoa parada no ponto
tenta parecer ciente de tudo o que lhe acontece
mas para quem passa, sentado no ônibus
a pessoa parece, assim de pronto
tão imbecil quanto qualquer um

meus primeiros dias como burocrata(2011)

Três dias de trabalho e eu já me sinto exausto por ficar sentado dentro de um escritório esperando ordens, sem qualquer perspectiva a não ser de um diálogo com alguma das mulheres do escritório. Eu não quero incomodá-las com minha vontade de sair dali, então acabo me detestando mais, gradativamente.
Finjo não estar entediado, finjo estar estupidamente interessado em alguma notícia na internet enquanto aguardo as ordens, fossilizado, minha garganta, minha voz cheia de horror por estar ali - um simples ambiente de trabalho, com pessoas solícitas e afáveis. Todas elas mulheres, prontas para me enxergarem e dedicarem a mim o mais discreto desprezo, como a uma criança senil. Qualquer movimento é perigoso. Não há chance de enganá-las. Afinal de contas é um trabalho bastante simplório - basta cumprir tarefas banais que visem a continuidade daquele aparelho burocrático.
É indefinidamente pior a qualquer abismo no qual ousei mergulhar de alma.
Entendo agora porque meu pai me dizia tanto para estudar. Talvez se tenha esquecido de dizer que eu estava desde sempre preso a um poste gigantesco e sólido.
Não importa o quão retardatário você é, o grau de sua deficiência mental, o jogo está lá para ser jogado, e por ele, outras pessoas estão se sacrificando infinitamente mais do que você. Então você se pergunta sobre o que é que todos estão falando, o que seria mais real do que esse sofrimento quente e palpitante em suas entranhas?

sábado, 15 de março de 2014

deserto nas mãos


é doloroso ver, lembrar como é que se vê, é doloroso quando passa um clarão de beleza - quem sabe a verdade - mas logo volto a ruminar longe do pasto, passado o presente.

pessoas passivas que não são, e a necessidade de ser por elas.
elas não me preenchem, elas me tiram, me puxam para o palco do circo à meia noite.

é doloroso ver um amigo enganado por sua própria retórica falaciosa
ser livre e não poder mais fazer companhia à miséria que cultivei durante anos.

a minha crueldade não tem fim, a dos meus queridos também não tem fim
penetrando corpos sem vida como se fosse amor, quem pensam que são?

quase dou razão ao amigo, que escolheu a solidão de um reflexo
deixando o mundo pra depois, construindo escombros na ordem das coisas

mas não;
levo um deserto em movimento,
sou o que busco
não me possuo nas mãos.



um texto esquecido numa página de caderno


mensalidade paga, as lágrimas de Lina e seu dedão sangrando sobre seu chinelo vagabundo, obras de arte digital, pinturas modernistas, pinturas religiosas de qualidade duvidosa, um filme tailandês que se chamava "Eternidade" - e essa era de fato sua duração - colchão d'agua, a grama da praça da liberdade. esse foi um dia longo
não sinto ligação. o que sobra, a partir de agora, a partir de qualquer momento...
ridículo.

sábado, 8 de março de 2014

eu queria escrever.

Eu queria escrever. Qualquer sujeito que está começando uma segunda faculdade em Letras estaria escrevendo como um lunático. Acontece que eu não. Eu tenho carinho pelas palavras. Não quero usá-las. Ninguém gosta de se sentir usado. Quero amá-las da forma que não me é permitido amar a todas essas meninas que andam cheias de segredos, sempre se escondendo atrás de homens de sexualidade duvidosa. Que se escondam, pois na arte eu sou o que elas mais detestam; um verdadeiro cúmplice. Mas na vida, posso fingir ser a carcaça de homem que elas tanto acham que eu sou, logo querem que eu seja. Sou raso para elas.
E quando a superfície se quebra, meu abismo engloba seu entorno de pequenos precipícios e lagos profundos. O que se ergue é uma substância amorfa, sublimada, sobre a qual coloco minha assinatura como adorno, sabendo que foram elas. Foram elas que quebraram a porra da superfície.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Vazio quando sexualmente satisfeito;
Pois todos aqueles planos longamente sonhados cessam no ato sexual, e a vida se esvai na terra vermelha de sangue de onde tudo tem a ilusão de que nasce.



sábado, 7 de dezembro de 2013

Muitas palavras pedem sentido
e consentimento
a começar por nomes de garotas
Lúcia, Yvone, Maria Clarisse
De natureza auditiva.
o paraíso da musa se encontra
no centro da nuca onde se ouve.



domingo, 1 de dezembro de 2013

Embarcação

Construo saber
 do cume do hábito
do sonhar
                      Habito a ilusão.

            me acordam no meio do sonho e dizem "vai,
                                             
                                                           senão cê perde

                    a próxima  embarcação
           rumo ao próprio desejo
de
     sonhar
               -m
                   e




terça-feira, 8 de outubro de 2013

Amadeu Esperança

- Garçom!
- Pois não?
- Gostaria de uma porção de coisas.
- Bem ou mal passadas?
- Ao ponto, naquele ponto definitivo a partir do qual não há retorno. Você sabe do que estou falando. 
- É claro senhor. Algo mais?
- Uma gim tônica.
- Sim senhor. Um momento.

Olhou para o relógio - nossa, já eram 10 da manhã! - e se deu conta de que sua porção de coisas talvez não chegasse nunca.
A sensação do seu sonho ainda persistiu por, digamos, menos de um minuto. As imagens logo se dissiparam nas paredes sóbrias do quarto.
O que persistia era a sensação de espera pelo seu pedido. Porém, agora não havia garçom nenhum - era cliente do tempo, que lhe servia sempre o que bem entendesse quando bem entendesse.
O dia branco lhe cegava pela janela.
O barulho das construções lá fora demandava a sua presença ao espetáculo de cada dia.
Olhou pela janela, as pessoas se movimentavam freneticamente. Numa segunda feira, todos certamente estavam cheios de compromissos inadiáveis, fossem fictícios ou não.
"Quem dera fosse sempre madrugada." Com 55 anos nas costas, Amadeu não se acostumara à vida.

A primeira coisa que lia no jornal era sempre o horóscopo - o seu signo e o da sua amada. Adorava ler coisas como "atenção, hoje o clima pode esquentar com seu amor", e então partia para o signo de Sagitário, e se a coisa batia, isso lhe agradava, lhe aquecia por dentro. Depois lia as charges, e já sem muito interesse, passava os olhos pelo resto do jornal.
Leu uma reportagem no campo de tecnologia sobre um gênio prematuro de 14 anos que havia desenvolvido um reator nuclear. Havia um ano que Amadeu tentava em vão consertar o abajur do seu criado mudo.
- Há coisas que não se consertam - repetia a si mesmo, e voltava à sua leitura, com a luz do teto acesa.



felicidade sim


que exatas são as obras de quem sofre
sempre tão cheias de significado
que significa sofrer? e que tem a ver
com a realidade?
a obra de quem sofre comunica dores
nas costas, no peito, no joelho
será que adquirimos o significado
apenas porque sofremos?
que realidade existe depois da dor?
imensidão, vácuo
a dor persiste, mas ainda sofremos
para nos esconder
do real penetrável, flúido e intenso


malditos orientais e seus estigmas infecifráveis

Maura,

queira escrever como se
no concreto duro e verde do muro
do mundo.

descascar a tinta, quebrar a casca
com o mesmo 
prazer inviolável com que rói as suas unhas
dando uma resposta imprescindível
a uma pergunta hipotética
que o mundo não lhe fez

sem ter dó nem piedade
da solidão da palavra
prostrada naquele muro velho
que ninguém lê,
condene-a ao fardo das verdades
mais pesadas.
como quem dá luz a um filho
e tem fé de que um dia ele será amado 
por outras palavras (mães)
Maura.



sábado, 28 de setembro de 2013

o filme da criança

Uma criança sozinha no mundo, sem língua e sem mãe, tateando o chão áspero de concreto, detendo a mãozinha em uma folha seca no chão áspero e sujo, Imersa num silêncio de esforço e concentração. Uma criança, um ser sem história.
Sem um berço que a conforte, nem uma lista interminável de mulheres dispostas a prestar ajuda.
Sou eu que não lhe presto atenção, ávido de um desespero desde sempre anunciado. Dentro desse desespero, uma calma firme.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

http://digilander.libero.it/adrianomeis/lebelle/congedo.htm

Poesia "Despedida do Viajante Cerimonioso" de Giorgio Caproni em Italiano.

domingo, 18 de agosto de 2013

urgência administrada



Mangueiras furadas nos corredores e nos porões da antiga casa denunciavam no sonho a sua urgência em conter-se. Nenhum impulso, em verdade, foi contido,

Era o que era, um antigo amor inconfesso que pairava no éter viciado de seu desejo,
Ele, que nunca era notado aonde quer que fosse, por fim notava a si mesmo.

Por mais absurdo que fosse, a mera alusão àquela criatura frágil e inofensiva era a possibilidade 
de ter posse de si

De uns tempos pra cá ele parecia bastante saudável. o que fazia era brincar com a urgência
Que mal havia em pensar nela, ou em sua ausência, onde tudo era possível?

Começou a enxergar aquela ninfa como a beleza contida em cada linha, e a si mesmo como a mônada que a continha em si.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Sara, Goodbye


Orlando me ligou dizendo que de manhã Sara não queria comer ou beber nada.
Fiquei de levá-la a um veterinário depois do almoço.
Não me lembro nem de que idade Sara tinha.  O branco invadira suas pupilas indicando que o glaucoma havia tomado sua visão. Remelas negras escorriam pelos seus olhos como maquiagem.
Dava pra ser atriz se quisesse, a minha cadela.

Passei pela cozinha e abri a porta da área; encontrei-a estirada no chão sobre suas próprias fezes, as patas desconjuntadas e abertas para os lados.
Senti um cheiro terrível(que pareceu impregnar-me por meses), tive ânsias de vômito, mas consegui dar uma limpada rápida no chão e colocar o corpo desmantelado de Sara numa grande bacia dentro do carro.

Na estrada,  enquanto atravessávamos a cidade até o veterinário, Sara e eu conseguimos nos acalmar. Abri as duas janelas para ventar bastante e coloquei Velvet Underground no som do carro - imaginando que cairia bem ao gosto musical da cadela.
A mim me parecia agradável dirigir assim, acabava me sentindo em casa. A vira lata também parecia não incomodar-se com nada; tinha suas orelhas de beagle flanando ao vento, os olhos fechados e uma expressão serena. Parecia na verdade muito satisfeita. E seu focinho farejava prazerosamente os aromas da cidade potencializados pelo vento que vinha da janela. 

Chegamos por fim ao hospital veterinário. Na recepção me disseram que iriam demorar um pouco a atendê-la. Os donos esperavam nas cadeiras com seus respectivos cães. Havia muito sangue no chão vindo de uma sala ao lado, onde pareciam ter efetuado uma cirurgia de emergência.

Esperei fora do recinto, num banquinho ao ar livre, Sara estirada sobre um travesseiro velho e imundo na bacia. Algumas velhinhas simpáticas vieram e fizeram um carinho na cadela, disseram que era muito bonitinha, que dava dó de ver, coisas assim. Acharam que a cadela estava magrinha, e parecia mais nova do que a idade que eu presumia(17 anos). Sara adormeceu tranquilamente seu sono da tarde, já envolta por moscas.

Esperamos bastante, o clima era agradável, mas eu tinha náuseas e mais nada a fazer. Automaticamente me pus a olhar para a tela do meu celular. Pensei em ligar para todas as minhas ex-namoradas, mas não tinha realmente vontade de falar com nenhuma delas. Eu havia sido desobediente a cada uma delas, e agora era evitado como um cão de rua. Fiquei ali remoendo o meu cão interior. Quanto mais eu pensava nisso, mais escroto eu me sentia, porém não deixava de ser um entretenimento dos bons.

Olhei para o lado; Sara dormia profundamente. Parecia que ela havia por fim aceitado. Aceitado as moscas, a bacia, ou qualquer coisa que o destino lhe apresentasse. Não sei se um dia ela teve medo da morte. Não sei sequer se para ela a morte existia como um fim. Ela não era um cão genial, nem de muitos compromissos. Faltava à ela essa alegria incondicional dos cães.

2 dias depois ela foi "sacrificada". Não pude testemunhar nada, aliás quando soube já havia acontecido. 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

tenho um irmao que vive do outro lado do mundo,
e quando eu falo do verão, ele fala do inverno.
e assim vamos indo
cada um no seu canto, eu meio moribundo
e ele ciente de quase tudo

nos parecíamos até um pouco
metidos cada um num terno.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

infanto

lembro de três coisas

No meu aniversário à noite, atravessei o jardim, abri o portão de ferro e lá estava o meu avô com um presente nas mãos, um embrulho talvez vermelho. Eu peguei o presente, fechei o portão já corria de volta pra festa quando me dei conta de que tinha fechado o portão na cara do meu avô.

Na festa de carnaval da escola, eu estava vestido de marinheiro, e uma professora enrugada começou a dançar comigo olhando para a minha cara com um sorriso histérico. Então eu joguei os confetes na cara dela. Me lembro dela cuspindo os confetes, com o sorriso desfeito.

No banco de um avião eu comentava com meu primo sobre as fezes da obesa do banco da frente que vira sair do banheiro. Comentava sobre o cheiro horrível e sobre a textura estranha. A obesa se virou e me bateu, não muito forte, com sua bengala em minha cabeça.